quarta-feira, 24 de março de 2010

ABORDAGEM CINESIOLÓGICA E SIMBÓLICA DOS PÉS

          O pé humano é composto por 26 ossos e esses são mantidos unidos através dos ligamentos (107 unidades) que formam as articulações em um total de 33. Os movimentos do pé são realizados por músculos, classificados em extrínsecos e intrínsecos. Os músculos extrínsecos originam-se abaixo do joelho e possuem inserção no pé, realizando os movimentos do tornozelo como dorsiflexão , plantiflexão , inversão e eversão , além de atuarem na movimentação dos artelhos (dedos). Os músculos intrínsecos são representados pelos que se originam abaixo da articulação do tornozelo, podendo situar-se no dorso ou na planta do pé, e são responsáveis pela movimentação dos artelhos.
          Abordando o caminhar, Viel (2001, p. 49) explica que:
A colocação do pé no solo, elemento essencial do equilíbrio na fase de apoio, é resultante, ao mesmo tempo, de uma antecipação ou construção de um modelo interno da marcha e de uma marcação visual do solo diante do indivíduo.

         Em condições normais, sem qualquer perigo aparente, informações visuais, até mesmo não contínuas, são suficientes e, com o controle mesmo que grosseiro do equilíbrio pela colocação do apoio único (ao andar, bípedes sempre apóiam o peso do corpo em um único pé), a musculatura ao redor do tornozelo fica responsável pelo controle fino.
          Para que o pé cumpra de maneira eficaz sua função, ele deve ser flexível. Viel (2001, p. 50) afirma que “o recebimento do peso do corpo determina, nas pequenas articulações, movimentos complexos de deslizamentos e de rotação nos três planos do espaço”. O início da doença é percebido com a rigidez.
          De acordo com o autor acima, com o auxílio dos tendões, aponeuroses e músculos, nossos pés sabem restringir parte do esmagamento ao qual é submetida na marcha . De estrutura deformável, o pé é envolto pelos tendões extensíveis que se deixam estirar e absorvem, em parte, a força, enquanto que, junto com as aponeuroses, armazenam uma parte da energia produzida pelo esmagamento a fim de restituí-la no fim da fase de apoio, reduzindo o trabalho dos músculos. Esses últimos apresentam uma viscoelasticidade que lhes permite frear o movimento atenuando a onda de choque. Também aqui são de grande importância as condições das articulações, uma vez que, para que a função dos músculos tenha melhor desempenho, elas devem estar livres para deslizar normalmente uma sobre as outras.
          Durante o passo, algumas modificações são realizadas no arco plantar do pé. Viel (2001, p. 58) descreve que:

Uma mola de lâmina submetida à pressão achata-se: a arco do pé sofre uma deformação parecida. A aplicação de pressão verticais é traduzida por um achatamento do arco e por um alongamento do pé ao receber o peso do corpo. Tendo armazenado energia elástica, o pé pode, a seguir, restituí-la.
          O pé pode ser separado em três conjuntos, esses, no ponto de vista biomecânico, tem um papel diferenciado: amortecimento, equilíbrio e propulsão e pivoteamento. “O amortecimento das pressões é realizado no calcanhar, entre 0% e 15% do ciclo, retomando, posteriormente, a aproximadamente 45%, quando o calcanhar se eleva.” (VIEL, 2001, p. 62). Desta forma, a pressão está dispersa por toda a superfície do pé. O pé cai em direção a sua borda lateral, o que favorece essa dispersão, e após equilibra-se sobre um único pé, a pessoa acelera para abordar o ciclo seguinte. Quanto ao equilíbrio e propulsão, na maior parte do tempo, sob a sola plantar, a trajetória do centro de pressão ocorre no centro do pé. Todavia, há um número de indivíduos que se favorece com um apoio mais medial, enquanto que, há quem também utilize preferencialmente um trajeto lateral. Para mudar de direção, aquele que caminha, deve diminuir a superfície de contato com o solo, ou seja, erguer os dedos do pé e elevar o calcanhar.
          O autor ainda sintetiza ratificando:

O peso do corpo passa ao longo da borda lateral do pé, dirige-se em direção do quinto e quarto metatarsianos, de modo a atravessar todo o antepé com uma compressão quase igual de todo o centro do antepé. O último contato é feito pela polpa do primeiro dedo (hálux). (VIEL, 2001, p. 63)

          Quanto às patologias, elas podem ser manifestadas em duas situações. “São elas o padrão de contato do pé durante a fase de apoio e o mau alinhamento do pé no balanço.” (PERRY, 2005, p. 29). Podem ser causadas por um reflexo do joelho e do tornozelo ou simplesmente uma patologia própria do pé.“Conforme o corpo progride sobre o pé de apoio, a seqüência normal de contato no solo pelo calcanhar, pé plano e antepé pode ser alterada”. (PERRY, 2005, p. 29). Como conseqüência de um antepé doloroso ou desequilíbrio acentuado nos músculos dorsiflexores e flexores plantares do tornozelo, ocorre um Contato Único Prolongado do Calcanhar. Aqui, acontecerá uma dorsiflexão excessiva do pé. Outra alteração em relação ao calcanhar é o Desprendimento Prematuro, ou seja, perda de contato anormal no contato inicial ou durante todo o apoio, fazendo com que haja um contato permanente no antepé. É um desvio de fácil identificação, causado por uma flexão plantar excessiva do tornozelo ou flexão excessiva do joelho. Em contra partida, há quem não realize uma elevação do calcanhar, possuindo assim, um Contato Prolongado do Calcanhar. “É o desvio mais importante, visto que este é um intervalo de apoio simples do membro”. (PERRY, 2005, p. 31). Esses desvios são observados no plano sagital , uma vez que os movimentos sempre ocorrem paralelamente ao seu plano.
          Em plano coronal , os desvios são a Inversão e Eversão – que podem ser causados por uma deformidade estática ou por uma ação muscular incorreta. É confirmado que esses desvios estão também relacionados ao tornozelo quando Perry (2005, p. 39) descreve que:

Devido a todos os músculos que controlam o tornozelo cruzarem a subtalar no momento em que se inserem no pé, as anormalidades de inversão e eversão normalmente ocorrem em combinação com disfunção do tornozelo.

          Na Inversão Excessiva (Varo), as inserções dos músculos que podem causar inversão variam, logo, as posturas do antepé e médio pé podem ser alteradas. Perry (2005, p. 36) diz que “O varo do calcanhar é indicado pela inclinação medial do calcâneo sob o tálus. O varo do antepé durante o apoio é caracterizado pela elevação da cabeça do primeiro metatarso em relação à superfície”. A Eversão Excessiva (Valgo) ocorre quando o apoio do antepé é realizado pela área medial. Aqui, ocorre um contato na superfície pelo primeiro metatarso, e não do quinto. Pode também ser chamado assim quando o primeiro metatarso toca o solo antes do quinto.
          Miranda (2000, p. 67) afirma que “as manifestações observadas nos pés deveriam ser tratadas não somente como problemas, fonte de desconforto, mas também como sintomas, capazes de falar de outras realidades da pessoa." Os mais diversos sintomas físicos e psíquicos são expressos nos pés dos indivíduos.
Os pés assentam no chão, são os responsáveis por permitir a marcha, a postura vertical e são um dos mais importantes lugares simbólicos do corpo humano. Objetos de tantos mitos, são o lugar de contato entre o homem e a terra, são o ponto de partida da elevação e ascensão do homem. “Os pés representam a força da alma, o suporte da postura ereta, a base de nossa estatura, o domínio do TER.” (MIRANDA, 2000, p. 61). “De uma maneira mais terra-a-terra, o pé simboliza também um certo sentido de realidade: ter os pés sobre a terra." (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2008, p. 694).
         Leloup (1998, p.18) mostra-nos a importância da saúde dos pés e a sua relação com a terra, quando descreve que:

Nosso corpo é como uma escada. Em uma escada, as partes mais altas se apóiam sobre as partes mais baixas. E se a base não é sólida, o que está no alto pode não se manter, não pode se sustentar. Podemos imaginar nosso corpo semelhante a uma árvore. Se a seiva está viva em nós, ela desce às nossas raízes e sobe até os mais altos galhos. É no nosso enraizamento na matéria que depende nossa subida para a luz.

          Neste contexto insere-se o chakra Básico ou raiz. Este chakra anima a substância do corpo físico, é a vontade, o poder e o instinto de sobrevivência, é a base da montanha, a ligação com a terra. “O ‘sim’ para a vida na Terra, para a existência física e a disposição de atuar em harmonia com a força da Terra, e dela aprender, são as dádivas de um primeiro chakra aberto." (SHARAMON; BAGINSKI, 1997, p. 74). O chakra raiz é associado ao elemento terra, confere ao homem a firmeza terrena e a estabilidade debaixo dos pés, sobre o qual pode-se construir a vida. É a partir dele que se consegue força de vontade e estabilidade. Em semelhança ao chakra, os pés nos levam as nossas raízes, à identificação e à identidade. “Os pés escutam a terra e nos enraízam na matéria.” (LELOUP, 1998, p. 32).
          Este mesmo chakra está relacionado à estruturação de uma existência e a conservação da própria espécie através da constituição de uma família, assim como a sexualidade, como função física e meio de reprodução. Para alguns psicanalistas, como Freud e Jung , o pé é dado como uma significação fálica e o calçado seria um símbolo feminino.
          Sharamon e Baginski (1997, p. 75) ratificam a ligação do chakra raiz para com a Terra ao descrever que:

Quando o seu chakra da raiz está aberto e funciona de modo harmonioso, você sente uma ligação profunda e pessoal com a Terra e suas criaturas, uma força vital límpida, uma fixação em sim mesmo e na vida, satisfação, estabilidade e força interior. Você sente-se acomodado na circulação natural da vida, na mudança entre sossego e atividade, entre morte e novo nascimento. [...] Torna-se fácil realizar suas metas neste mundo. Sua vida é levada por uma confiança primária inabalável. Experimenta a Terra como um lugar seguro, no qual recebe tudo que necessita: afeto, alimento, proteção e segurança. Assim você se abre confiantemente à vida, nesta Terra, e aceita tudo que ela coloca à sua disposição.

          Outros simbolismos são encontrados também aos pés. Por exemplo, nas diferentes práticas de ioga temos a purificação dos pés na água salgada. “Creio que esta é uma bela prática, porque, pelos pés, podem escorrer nossas fadigas e tensões." (LELOUP, 1998, p. 31). É encontrado também em muitas tradições espirituais o costume de o mestre lavar os pés de seus discípulos, como forma simbólica de devolver a capacidade de prazer, sendo também um gesto de humildade, de cura e amor. Para os chineses, os pés enfaixados representam a mais elevada sutileza sensual. Os pés enfaixados alteravam o caminhar das mulheres e muitos poemas foram escritos sobre este tema.
          O mensageiro Hermes, em sua mitologia, tinha seus pés alados. Nesta simbologia os pés são referidos como um caminho de transformação e de individuação. Não só, há também uma ligação dos pés para com a cabeça e os cabelos. “Se os pés designam o começo, também indicam o fim, a meta, o destino. Numa caminhada, o movimento começa sempre por um pé e acaba sempre por um pé. Começo do corpo, ele se opõe a seu fim, a cabeça." (MIRANDA, 2000, p. 65). Assim, se os pés são esquecidos ou maltratados, a cabeça também funcionará mal. Do mesmo modo, os cabelos são dados como antenas que às vezes permitem a captação de mensagens, e quando a os cabelos e pés estão juntos, simbolizam um momento de conjunção, a união de opostos e integração do céu com a terra.
          Leloup (1998) refere aos pés a forma de uma semente. “Temos em nosso corpo três estruturas em forma de semente: os pés, os rins e as orelhas." (LELOUP, 1998, p. 32). E entre elas existe uma conexão. Enquanto os pés escutam a terra e nos permitem o enraizamento a matéria, os rins escutam nossas mensagens interiores e cabe as orelhas aprender a escutar os dizeres e as informações.
          Por último, segundo Paul Diel, o pé seria também um símbolo de força da alma, já que ele é o suporte da posição vertical, característica do homem. “Quer se trate do pé vulnerável (Aquiles), ou do manco (Hefestos), toda a deformação do pé revela uma fraqueza da alma.” (CHEVALIER e GUEERBRANT, 2008, p. 696).

Mais informações: Artigo de Cinesiologia da aluna Kelly Fischer, 2009-1.

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