quinta-feira, 18 de março de 2010

O SIMBOLISMO DA COLUNA VERTEBRAL


            O símbolo “é o visível que aponta para o invisível, o trampolim para o mergulho no desconhecido”, afirma Leloup (2004, p.11).  Silveira (1997) aponta que os símbolos têm vida, atuam e alcançam dimensões que o conhecimento racional não pode atingir e, além disso, transmitem intuições altamente estimulantes, prenunciadoras de fenômenos ainda não conhecidos.
            Os símbolos expressam uma linguagem universal. Eles ultrapassam as medidas da razão, sem por isso cair no absurdo, e acompanham o movimento evolutivo do homem, onde exercem a função de transformadores da energia psíquica.
            Stein (2000, p.80) coloca que “a experiência do símbolo une corpo e alma num poderoso e convincente sentimento de integralidade”. Interpretá-lo é uma tentativa de traduzir seu significado para um vocabulário e um conjunto de termos mais compreensíveis, no entanto, o símbolo permanece como a melhor expressão do significado que ele comunica. 
            Preciosa que é, a coluna vertebral se faz presente na simbólica de diversas culturas, com inúmeras acepções, visto que o símbolo é sempre vivo e dinâmico. Muitas vezes, esse magnífico conjunto de ossos aparece relacionado ao próprio símbolo da coluna[1] que, de acordo com Chevalier & Gherrbrant (2005, p.265), sempre remete à base, sustentação, ao que gera a vida: “as colunas garantem a solidez da construção. Enfraquecê-las é ameaçar o edifício inteiro. Por isso são tomadas com freqüência pelo todo”.
            Citada 124 vezes no texto bíblico – sendo 119 no Antigo Testamento, afirma Miranda (2000) –, as colunas trazem geralmente um sentido de teofania, de manifestação de Deus. Elas sustentam e elevam o homem, sua casa, seu lugar de culto, a terra e o céu, ‘pois ao Senhor pertencem as colunas da terra, ele pôs sobre elas o mundo’ (1Sm2,8). Chevalier & Gherrbrant (2005) também a relacionam como um limite de proteção, marcando a passagem de um mundo para o outro.
            A coluna aparece como imagem simbólica do eixo da pessoa, de suas simetrias e dualidades, estando freqüentemente assimilada à Árvore das vidas: a base indica o enraizamento, o fuste representa o tronco e o capitel a folhagem. Na tradição judeu-cristã, a Árvore das vidas, plantada no centro do jardim do Éden reúne toda a iluminação necessária à compreensão do corpo humano e de sua imperiosa verticalização e ascensão a Deus[2].
            Nessa tradição, as colunas representam as relações entre o céu e a terra, entre o Alto e o baixo, o reconhecimento do homem em relação a Deus e dEle para com o humano divinizado. Miranda (2000, p.166) coloca: “quando alguém é considerado a ‘coluna’ de um grupo ou comunidade, é porque é visto como manifestação da potência de Deus nos homens”.
            No livro do Êxodo da Bíblia, há uma passagem onde Deus precede seu povo no deserto, ‘durante o dia, sob a forma de uma coluna de nuvens, para indicar-lhes o caminho, e de noite sob a forma de uma coluna de fogo para iluminá-los’ (Ex 13,21). O simbolismo é o de uma coluna vertebral para os seres humanos, para a sociedade. Assim, é ela que simbolicamente, pode servir de ajuda para atravessar o deserto e a noite, elucida Leloup (2004).
            A coluna vertebral é também associada à escada dourada de Jacó para atingir esponsais divinos, as bodas celestes. Em Gênesis 12 conta-se que Jacó teve um sonho no qual “havia uma escada posta da terra e seu topo tocava nos céus; e eis que anjos de Deus subiam e desciam por ela”[3]. A escada de Jacó um símbolo religioso que mostra que só se chega à morada de Deus quem galga degrau por degrau a escada da vida; é o símbolo do caminho para a perfeição. As vértebras são consideradas os degraus para atingir o topo, o teto do templo corporal, a matriz vibratória do crânio.
            Para o Yoga e o Tantrismo, a coluna vertebral é muitas vezes chamada de meru-danda, “bastão de meru”. Harris (2004, p.90) conta que Meru é uma montanha gigantesca no centro da terra, eixo em torno do qual o mundo gira, paradoxalmente imóvel, mas em constante movimento. Esse ‘pilar que sustenta o mundo’ liga o mundo inferior ao mundo superior, une o céu e a terra, cruzando o mundo divino com o mundo humano. Feuerstein (2005, p.151) diz que Meru, a montanha dourada, serve de área de diversão para as divindades do panteão hindu[4].
            Noção muito próxima se encontra na arte greco-romana, onde as colunas simbolizam “as relações entre o céu e a terra, evocando, ao mesmo tempo, o reconhecimento do homem para com a divindade e a divinização de certos homens ilustres” (CIRLOT, 2007, p.266).  As colunas manifestam o poder de Deus no homem e o poder dele sob a influência de Deus; simbolizam o poder que assegura a vitória e a imortalidade.
            A coluna também está presente em algumas culturas como um símbolo referente à autoridade. Na simbólica românica, por exemplo, a coluna evoca o poder de Jeová – capaz de sacudir as colunas do mundo. Nas tradições cosmológicas, diz-se que “a terra repousa sobre colunas, que Deus sacode por ocasião dos terremotos”. Nas tradições escatológicas, é dito que “o mundo terá fim quando as suas colunas forem derrubadas”.
            Para os egípcios, as colunas exprimem a vida infundida ao edifício ou ao seu desabrochar. Nas tradições célticas, ela é, também, o eixo do mundo e símbolo dos suportes do conhecimento.
            A coluna é o lugar onde se realiza a união dos pólos – direita e esquerda, consciente e inconsciente, masculino e feminino, positivo e negativo. Todas as antinomias podem ser ultrapassadas no interior do homem, pelo casamento místico dos opostos[5]. Essa unidade, de acordo com Leloup (2004), é também representada na coluna como o caminho do meio budista.

O exterior e o interior, o imanente e o transcendente, o bem e o mal, a luz e as trevas, o consciente e o inconsciente, a saúde e a enfermidade, o visível e o invisível, o realizado e o não-realizado do Homem são dois pólos de uma mesma realidade. A coluna do meio é o lugar do possível encontro dessas duplas dimensões (MIRANDA, 2000, p.173).

            Do mesmo modo, a verticalidade da coluna vertebral a torna um símbolo de afirmação do self[6], muito observado nos costumes dos homens de prosternar e voltar à posição direita em face a uma representação sagrada, conforme Chevalier & Gherrbrant (2005). Lendas contam que aqueles que se curvam a Deus garantem um corpo ressuscitado porque estimulam o sacro[7], ‘osso santo’, quando ajoelham em oração, explica Harris (2005). Essa verticalidade determina um impulso de auto-afirmação ascensional e geocêntrico, confirmam Cirlot (2007) e Miranda (2000).
            A coluna ereta é, ainda, um símbolo da dignidade dos homens. É dito que não se pode mentir com a coluna vertebral ereta; quando as pessoas mentem, elas sempre se inclinam para o lado, afirma Leloup (2004).
            O autor (2004) também faz uma analogia do contato mantido com a coluna às relações estabelecidas com a figura paterna, ou seja, a presença ou a ausência do pai representam a qualidade da coluna, da estrutura interior. Assim, deve-se estar atento para a “escuta” da coluna, porque trata-se de ouvir o pai, o mestre interno, aquele que é capaz de guiar no que é preciso e necessário.
            Harris (2005, p.146) conta que dentro da coluna vertebral, mais especificamente na altura das vértebras lombares[8], reside uma enorme quantidade de energia, aguardando o despertar da consciência: a serpente Kundalini[9]. Quando a serpente adormecida desperta, “soa seu guizo e se endireita em posição vertical, produzindo intenso calor, que dizem queimar enquanto percorre a coluna”. Com o despertar da Kundalini, a coluna se endireita à medida que se forma o mundo instintivo.
            Jung apud Harris (2005, p.79) acredita que a região das costas está intimamente relacionada ao inconsciente, pois raramente as pessoas estão atentas à parte de trás do corpo: pelo fato das pessoas caminharem para frente, elas freqüentemente confiam na parte dianteira do corpo para se orientar, ‘evoluindo’ na parte frontal do corpo; as costas simplesmente acompanham sem que haja consciência desse movimento. Jung lembra:

Seria errado, porém, considerarmos somente o lado desfavorável do inconsciente. Em todo o caso, o inconsciente é desfavorável ou perigoso só porque não formamos uma unidade com ele e portanto estamos em oposição a ele. Uma atitude negativa em relação ao inconsciente, ou separar-se dele, é prejudicial se considerarmos que a dinâmica do inconsciente é idêntica à energia instintiva. Desligar-se do inconsciente é sinônimo de perder os instintos e as origens. Quando não estamos ligados a nossas raízes podemos adoecer ou ter sérios problemas de ordem psíquica, como uma insuportável ansiedade ou medo.

            Desse modo, negligenciar a coluna torna-se perigoso. O caminho para o céu só ocorre após o encarnar do homem; é necessário antes estar presente na terra. “Simbolizar é, de certo modo, e num certo nível, viver junto” (CHEVALIER & GHERRBRANT, 2005), por isso, a consciência da coluna vertebral é fundamental para trilhar a jornada da alma.


[1] Coluna, da raiz latina, cello, cel-d-ere, corresponde a ‘elevar-se’, em grau fletido col, de onde colina, coluna (elevação de apoio), cume e culmina. Da mesma raiz cel, vem Celso, excelso (alto, elevado, sublime) e excelar (estremar-se de outros, elevar-se acima), explica Miranda (2000).
[2] A árvore representa a vida em perpétua evolução e em ascensão rumo ao céu; é um símbolo do caminho ascensional entre o visível e o invisível; “evoca a comunicação, de um lado, entre as realidades cósmicas, subterrâneas e terrestres, e de outro, as celestes ou aéreas” (Ibidem, p.37). A coluna vertebral é a árvore da vida, plantada no meio do jardim do Éden. Reencontrar a coluna vertebral é reencontrar seu eixo e o eixo do mundo. É reencontrar, de novo, seu lugar no paraíso (LELOUP, 2004, p.109).
[3] Leloup (2004) acredita que a energia da medula, a energia da vida, é, sem cessar, esse movimento de subida e descida, que ao mesmo tempo eleva e enraíza.
[4] Harris (2004) acrescenta que, em termos esotéricos, a imagem da montanha descreve o corpo imóvel em meditação. Os budistas descrevem o corpo na meditação como o monte Meru, o centro de seu mundo, e o identificam com a coluna. O monte Meru, no centro do universo, representa a quietude interior. No Vishnu Purana, texto hindu de 200 a.C., descreve-se sobre o monte Meru: “a montanha cósmica nasce a altura de 84 mil léguas no centro do universo, circundada por anéis concêntricos dos sete continentes e dos sete oceanos. As quatro faces da montanha são orientadas para as quatro direções. O leste é de cristal, o oeste de rubi, o sul é de lápis-lazúli e o norte é de ouro. O Sol, a Lua e as estrelas seguem seu curso a partir desse estonteante pivô central e suas múltiplas camadas de reinos do céu, terra e mundo subterrâneo que se espalham ao seu redor. De seu topo, o sagrado rio Ganges cai do céu e se divide em quatro grandes rios que despejam água nos quatro cantos da Terra”.
[5] Mística em grego é um adjetivo (mystikós) da palavra mistério (mystériom) que evoca manter fechado. A mística não conhece confissões e perpassa todas as religiões. O místico vive de imediato a experiência da unidade com Deus e da unidade de Deus no mundo, sempre numa dialética com um transfundo de dualidade (MIRANDA, 2000, p.37).
[6] Self é o Si-Mesmo, o arquétipo que representa a unidade dos sistemas consciente e inconsciente. Ele funciona como centro regulador da totalidade da personalidade. Dychtwald (1984, p.55) coloca que o tronco é a parte do corpo que pode ser comparada ao ‘cerne’ do ser humano, correspondente aos aspectos do self mais serviçais, “que mais refletem, mais entendem e protegem a pessoa”. Em geral, pode-se dizer que essa área enfoca o ‘ser’, em contraste com os membros mais voltados ao ‘fazer’. O autor (1984) também menciona que ao contrário da parte inferior do corpo, que é voltada aos aspectos do apoio próprio, a porção superior do corpo relaciona-se à socialização, à comunicação, ao emocionar-se e aos demais aspectos expressivos do self
[7] Harris (2005, p.86) esclarece que a palavra sacro deriva da palavra sacer que em latim quer dizer “santo” ou “sagrado”. O centro da gravidade fica no topo do sacro. “Trazer energia para o sacro é algo que nos liga à realidade arquetípica da eternidade”.
[8] A região lombar é relacionada como uma mediadora entre os aspectos psicossomáticos das metades de cima e de baixo do corpo, afirma Dychtwald (1984, p.139).
[9] A serpente é o poder que está por trás do desenvolvimento da consciência. Harris (2005, p.149) afirma que a Kundalini está in potentia enquanto dorme, esperando o chamado do divino. Ligar-nos à energia Kundalini que está dentro de nós é algo que nos alinha à mãe positiva que nutre e dá vida (terra). 


Mais informações: COLUNA VERTEBRAL: ESCADA PARA O CÉU - artigo cinesiologia aplicada de Bruna Christine Paez de Souza

2 comentários:

  1. maravilhosas e amorosas informações.
    Parabéns pelo conteúdo.
    Gracias pela sintonia fina
    vivi

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  2. Gostei muito das informações, gostaria de saber as fontes bibliográficas

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